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A ilegalidade da cobrança de taxa de direitos autorais na hotelaria pelo ECAD

A ilegalidade da cobrança de taxa de direitos autorais na hotelaria pelo ECAD

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Laís da Costa Tourinho*

ecad1Tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº. 2939/2011, de autoria do Deputado Ronaldo Benedet, que pretende alterar o art. 46 da Lei 9.619/98, a Lei de Direitos Autorais. O projeto, que foi apensado ao PL 3968/97 e recebido, em 1º de março de 2012, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, é de relevante interesse ao setor hoteleiro.

O PL 2939/2011 busca pôr fim à, ainda hoje polêmica, questão acerca da possibilidade de cobrança de taxa relativa aos direitos autorais pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD em razão da transmissão de sons e imagens em unidades habitacionais hoteleiras – os quartos de hotéis, pousadas e afins, dispondo expressamente que não constitui violação aos direitos autorais a transmissão daqueles realizada em estabelecimentos hoteleiros e unidades de frequência individual de uso exclusivo do hóspede, dentre outros.

Muito embora o revés que o ECAD sofreu recentemente com a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 129, que prevê mudanças no procedimento de cobrança de taxas pela referida sociedade civil e maior fiscalização desta cobrança, decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, publicada em 22.03.2013, garantiu vitória ao ECAD no debate quanto à possibilidade de cobrança de taxas pela execução de músicas e imagens em unidades habitacionais hoteleiras.

Referida decisão consolidou o entendimento do STJ pela legalidade da cobrança realizada pelo ECAD pelo uso de aparelhos televisores e radiofônicos em quartos de hotéis, pousadas ou motéis, fazendo com que o setor hoteleiro voltasse sua atenção novamente ao PL 2939/2011.

A análise jurídica do tema passa, necessariamente, pela confrontação de dois diplomas legais diversos, a Lei 9.610/98 – Lei de Direitos Autorais e a Lei 11.771/2008 – a Lei Geral do Turismo.

O primeiro diploma legal citado acima cuida dos direitos autorais, que são espécie do gênero propriedade intelectual e versam sobre os direitos que o autor possui sobre a sua obra intelectual, seja ela literária, musical ou artística. Os artigos 7º, inciso VI e 28 da Lei 9.610/98 conferem aos autores de obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas, o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor destas, pelo prazo setenta anos, a contar do dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do autor.

Deste modo, toda pessoa que deseje efetuar a transmissão ou emissão de sons e imagens, nas hipóteses previstas em lei, deverá se submeter ao pagamento devido pelos direitos autorais, sendo de competência do ECAD efetuar a arrecadação destes valores. É bom ressaltar que não compete ao ECAD a fiscalização de estabelecimentos para interromper, suspender ou proibir a execução de músicas ou imagens, por não ser dotado de poder de polícia para tanto; poderá, contudo, efetivar a cobrança dos valores devidos pelos direitos autorais.

Cumpre, então, destacar em quais hipóteses a transmissão de sons e imagens implica pagamento pelos direitos autorais, ao menos aquela que interessa ao tema aqui analisado. A Lei 9610/98 prevê, em seu art. 68, a necessidade de pagamento pelos direitos autorais quando as obras forem utilizadas, sem prévia autorização, em execuções públicas e o § 2º, por sua vez, define o que seja execução pública: “a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica”.

Desta última norma citada nasce a grande celeuma: os quartos dos meios de hospedagem são locais de frequência coletiva?

O ECAD insiste em afirmar positivamente utilizando-se como fundamento o art. 68, § 3º, da própria Lei de Direitos Autorais, que indica expressamente que os hotéis e motéis são locais de frequência coletiva. No entanto, escapa à mencionada sociedade civil sem fins lucrativos que a discussão não gira em torno de todo o estabelecimento hoteleiro, mas apenas quanto às suas unidades habitacionais: os quartos.

Neste momento da discussão, insere-se a Lei Geral do Turismo. Este diploma legal, em seu art. 23, dispõe expressamente que os quartos dos estabelecimentos hospedeiros são unidades de frequência individual.

Há quem afirme que a Lei Geral do Turismo e a Lei de Direitos Autorais são contraditórias neste aspecto, por entenderem que a última define as unidades habitacionais hoteleiras como locais de frequência coletiva. Não é este o nosso entendimento, haja vista, como já mencionado, que a Lei 9.610/98 refere-se expressamente a hotéis e motéis, não especificando os quartos destes, como faz a Lei Geral do Turismo que é, então, neste ponto, mais específica.

Assim, da análise de ambos os diplomas legais, conclui-se que os hotéis e outros estabelecimentos hoteleiros são locais de frequência coletiva, mas as unidades habitacionais hoteleiras destes estabelecimentos são locais de frequência individual. E, por esse motivo, a divulgação de sons e imagens nos lobbys, corredores e restaurantes de hotéis é, hoje, passível de cobrança de taxas pelos direitos autorais, mas não ocorre o mesmo em relação aos quartos destes empreendimentos.

Superado este aparente conflito de normas, é até mesmo desnecessário trazer à baila outros argumentos contrários à cobrança que o ECAD persiste fazendo contra os estabelecimentos hospedeiros, porém, em disputas jurídicas sempre se revela útil a exposição de todos os fundamentos que embasam uma tese, como o fez o progressista Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em brilhante decisão proferida em 13 de outubro de 2011, nos autos da Apelação Cível n. 70033035932, pela qual o direito do ECAD à cobrança aqui discutida foi rechaçado.

Assim é que ainda se pode apontar, contra a cobrança em tela, a constante equiparação dos quartos de hotéis a domicílios realizada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de conferir proteção constitucional àqueles (ver julgamento RHC 90376 RJ). Ora, se as unidades habitacionais hoteleiras podem ser equiparadas a domicílios, incide, então, a exceção prevista no art. 46, VI, da Lei 9.610/98 (Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (…) VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro).

Por fim, também cumpre apelar à aplicação do princípio da razoabilidade, tão caro ao mundo jurídico. Não é razoável que se entenda que o uso de aparelhos de televisão ou de rádio em quartos de meios de hospedagem objetiva ou implica a obtenção de lucros pelos estabelecimentos. Tais aparelhos, atualmente, são meros e comuns objetos que buscam ofertar conforto banal aos hóspedes.

Por todo o exposto, é salutar e recomendável a aprovação do PL 2939/2011, que espancará qualquer interpretação errônea que se queira fazer da questão a partir da Lei de Direitos Autorais, inclusive quando esta interpretação advém do Superior Tribunal de Justiça, provocando insegurança jurídica, em especial ao setor hoteleiro.

*Laís da Costa Tourinho é  Advogada, Sócia no Camardelli Advogados, com atuação específica em Direito Hoteleiro.  Contato – lais.tourinho@camardelli.com

 

Publicado na Revista Hotéis, edição 130.

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